domingo, 27 de fevereiro de 2011

Romeu e Julieta, ATO V, Cena lll



ROMEU - Em verdade o farei. Porém vejamos estas feições: o nobre conde Páris, parente de Mercúcio!
Que me disse meu criado, quando juntos caminhávamos para cá e minha alma atormentada não escutava
nada? Não me disse que Páris e Julieta iam casar-se? Não foi assim, ou terá sido sonho? Ou então, por
estar louco, pensei nisso, quando ele me falava de Julieta? Dá-me essa mão, ó tu que estás inscrito, como
eu também, no livro do infortúnio. Vou depor-te num túmulo glorioso. Túmulo? Não, mancebo
assassinado; uma lanterna, pois Julieta se acha deitada aí e sua formosura faz desta abóbada uma sala
régia, transbordante de luz. Repousa, morto, por um morto enterrado.
(Coloca no túmulo o corpo de Páris.)

Quantas vezes, no ponto de morrer, ledos se mostram os homens? É o clarão da despedida, dizem
quantos o doente estão velando. Oh! poderei chamar clarão a esta hora? Ó meu amor! querida esposa! A
morte que sugou todo o mel de teu doce hálito poder não teve em tua formosura. Não; conquistada ainda
não foste; a insígnia da beleza em teus lábios e nas faces ainda está carmesim, não tendo feito progresso
o pálido pendão da morte. Tebaldo, jazes num lençol de sangue? Oh! que maior favor fazer-te posso do
que com esta mesma mão que a tua mocidade cortou, destruir, agora, também, a do que foi teu inimigo?
Primo, perdoa-me. Ah! querida esposa, por que ainda és tão formosa? Pensar devo que a morte
insubstancial se apaixonasse de ti e que esse monstro magro e horrível para amante nas trevas te
conserve? Com medo disso, ficarei contigo, sem nunca mais deixar os aposentos da tenebrosa noite; aqui
desejo permanecer, com os vermes, teus serventes. Aqui, sim, aqui mesmo fixar quero meu eterno
repouso, e desta carne lassa do mundo sacudir o jugo das estrelas funestas. Olhos, vede mais uma vez; é a
última. Um abraço permiti-vos também, ó braços! Lábios, que sois a porta do hálito, com um beijo
legítimo selai este contrato sempiterno com a morte exorbitante. Vem, condutor amargo! Vem, meu guia
de gosto repugnante! Ó tu, piloto desesperado! lança de um só golpe contra a rocha escarpada teu
barquinho tão cansado da viagem trabalhosa. Eis para meu amor.

(Bebe.)
Ó boticário veraz e honesto! tua droga é rápida. Deste modo, com um beijo, deixo a vida.
(Morre.)
(Entra pelo outro lado do cemitério frei Lourenço com lanterna, alavanca e uma pá.)

FREI LOURENÇO - São Francisco me ajude! Quantas vezes esta noite meus pés enfraquecidos
tropeçaram em túmulos? Quem vive?

BALTASAR - É um amigo, que muito vos conhece.

FREI LOURENÇO - Deus te abençoe. Querido amigo, dize-me que tocha é aquela ali que embalde a sua
luz aos vermes empresta e aos crânios cegos? Ao que parece, está no monumento dos Capuletos.

BALTASAR - Sim, é lá, santo homem. Lá se acha meu senhor, de quem gostais.

FREI LOURENÇO - Quem é ele?

BALTASAR - Romeu.

FREI LOURENÇO - Há quanto tempo está ele lá?

BALTASAR - Há cerca de meia hora.

FREI LOURENÇO - Vem comigo até o túmulo.

BALTASAR - Não ouso fazer isso, senhor; meu amo pensa que eu fui embora e me ameaçou de morte se
eu ficasse a espreitá-lo.

FREI LOURENÇO - Então espera; irei só; já começo a sentir medo. Oh! receio algum caso desastrado.

BALTASAR - Tendo dormido sob aquele teixo, vi em sonhos, parece, que meu amo se batia com outro,
tendo-o morto.

FREI LOURENÇO
(adiantando-se)
-
Romeu! Romeu! Oh dor! Que sangue é este que mancha a entrada pétrea do sepulcro? Que quererão
dizer estas espadas sem dono, a estilar sangue e descoradas, neste lugar de paz?
(Entra no túmulo.)
Romeu! Oh, pálido! Quem mais? Quê! Também Páris? E encharcado de sangue? Oh! que hora dura teve
culpa deste acontecimento lamentável? A senhora se mexe.
(Julieta desperta.)

JULIETA - Ó meu bom frade, onde está meu senhor? Sei muito bem onde eu devia estar, onde me
encontro. Mas onde está Romeu?
(Barulho dentro.)

FREI LOURENÇO - Ouço bulha. Saí, senhora, desse ninho de morte, de contágio e sono contrário à
natureza. Uma potência por demais forte para que a vençamos frustrou nossos intentos. Vem, bem logo!
Teu marido em teu seio se acha morto; Páris também. Vem logo; vou levar-te para um convento de
piedosas freiras. Não percas tempo com perguntas; vamos; a guarda está chegando. Vem, bondosa

Julieta; não me atrevo a esperar mais.

JULIETA - Vai, que eu daqui não sairei jamais.
(Sai frei Lourenço.)
Que vejo aqui? Um copo bem fechado na mão de meu amor? Certo: veneno foi seu fim prematuro. Oh!
que sovina! Bebeste tudo, sem que me deixasses uma só gota amiga, para alivio. Vou beijar esses lábios;
é possível que algum veneno ainda se ache neles, para me dar alento e dar a morte.
(Beija-o.)
Teus lábios estão quentes.

PRIMEIRO GUARDA (dentro) - Vamos, guia-me, rapaz; qual é o caminho?

JULIETA - Ouço barulho. Preciso andar depressa. Oh! sê bem-vindo, punhal!
(Apodera-se do punhal de Romeu.)
Tua bainha é aqui. Repousa ai bem quieto e deixa-me morrer.
(Cai sobre o corpo de Romeu e morre.)
(Entram os homens da guarda, com o pajem de Páris.)

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